O arquivista cuja missão nas redes sociais é preservar a história da literatura romântica
O blog "Romance Fiction Has a History", de Steve Ammidown, é uma tentativa de corrigir uma lacuna

"Eu lia tudo o que podia colocar minhas mãos sobre", Steve Ammidown lembra dos dias em que, discretamente, roubava romances da estante de sua mãe. Mas o americano, atualmente com 49 anos, só voltaria a ter contato com o gênero enquanto trabalhava com coleções de cultura popular. Entre histórias de amor e finais felizes, Ammidown descobria sua própria paixão. "Eu diria que 75% do que eu leio por ano é romance agora", confessa em entrevista.
Steve, apelido para Stephen, é um historiador da literatura pop feminina e arquivista por formação. Em 2016, passou a trabalhar com manuscritos da Biblioteca de Cultura Popular Browne, da Bowling Green State University (BGSU), em Ohio, que possui um catálogo de literatura romântica que inclui mais de 16.000 séries e romances stand-alone da década de 1950 até hoje, um dos maiores do país.
Embora tenha deixado o emprego na universidade durante a pandemia, Ammidown se comprometeu em aprender mais e compartilhar seu conhecimento a respeito do romance. A perda de parte da história do gênero, seja pelo desinteresse histórico da academia em preservá-la, seja pela descontinuidade das publicações, é algo da qual o historiador se lamenta. O blog Romance Fiction Has a History é uma tentativa de corrigir essa lacuna e um meio de continuar escrevendo sobre questionamentos de pesquisa que tinha, bem como fazer postagens sobre autores ou livros interessantes que encontrava como colecionador.
“Os romances são espelhos. Eles refletem uma versão das ideias da sociedade sobre relacionamentos, papéis de gênero e até classe “, diz em entrevista concedida ao Amora. “Para os acadêmicos, eles [romances] podem fornecer uma maneira diferente de olhar para um momento no tempo. Se olharmos para a história editorial e o lado empresarial do gênero, obtemos uma visão da evolução dos papéis e oportunidades das mulheres no mercado editorial e no mundo corporativo. Para os leitores, preservar esse tipo de história é uma chance de desenvolver uma compreensão mais profunda e ver como suas coisas favoritas sobre o gênero surgiram - os autores, séries e fórmulas que eles amam”, acrescenta.
O site evoluiu para incluir vídeos curtos no Instagram e até mesmo vídeos mais longos no YouTube. “Tem sido uma experiência divertida até agora. Recebo muitos comentários de apoio de leitores e acadêmicos, bem como ótimas perguntas que eu nunca teria pensado”, conta.
O arquivista ressalta que a comunidade romântica tem sido muito receptiva quanto ao seu desejo de preservar a história do gênero, ainda que tenha sido ignorado em alguns momentos por conta de seu gênero. “Acho que ajuda que muitas das pesquisas que faço estejam elevando nomes e histórias que se perdem entre gerações de leitores e escritores. A comunidade romântica não quer esquecer aqueles que vieram antes, mas tão pouco foi escrito sobre a história do gênero que cada pedacinho ajuda”.
Na maioria das vezes, precisa “tirar o chapéu de arquivista” e esquecer o que sabe sobre história quando está lendo um romance de época, uma vez que nunca podemos esperar que a ficção seja uma representação perfeita da história, especialmente quando é escrita tanto tempo depois dos eventos retratados.



“Tento lembrar às pessoas que o romance histórico é, na verdade, sobre dois períodos – aquele sobre qual foi escrito e quando foi escrito. O que eu acho que o torna ainda mais interessante. Dito isso, definitivamente há livros e autores que adoro ler porque aprendo algo com eles. Autoras como Beverly Jenkins e Courtney Milan costumam enraizar suas histórias em momentos pouco valorizados da história. Muitas vezes acabo pesquisando ainda mais quando termino um de seus livros”, diz.
Tratando-se de pesquisa, Ammidown estuda uma variedade de fontes, desde livros de referência até bancos de dados de jornais e revistas. “Depende muito da época em que o livro foi publicado ou o autor estava escrevendo. Tenho uma série de livros que uso como recursos de referência quando procuro autores dos anos 1970 ou 1980. The Romantic Spirit e Romance Readers Handbook são livros grossos com listas essenciais de autores dos anos 80, seus pseudônimos e os livros que escreveram”. Alguns autores da velha guarda costumam ter alguma informação na internet, mas nem sempre.

O pesquisador também utiliza o site fictiondb.com para encontrar informações básicas sobre romances e autores. Bancos de dados de jornais e revistas muitas vezes podem ser o melhor lugar para encontrar entrevistas de autores ou perfis, especialmente aqueles escritos na época do lançamento de um determinado livro. “Havia uma revista nos EUA chamada Romantic Times que era uma espécie de revista oficial da indústria do romance, mas infelizmente fechou e edições antigas muitas vezes podem ser difíceis de rastrear”, acrescenta.

Como colecionador, Ammidown não procura apenas os títulos mais populares, mas também aqueles significativos para entender a evolução do gênero. “Esses tipos de livros tendem a ser mais difíceis de encontrar e eu adoro um desafio”, comenta.
O livro mais antigo de sua coleção é uma cópia de 1946 de Honor Bound, de Faith Baldwin. É uma reimpressão de um livro lançado inicialmente em 1934, mas esta cópia é especial porque foi emitida pela Dell Publishing, que sempre adicionou mapas às contracapas de seus livros. “Baldwin foi uma das primeiras superestrelas do romance americano, e foi o primeiro autor de romance que Dell publicou”, explica.
Já o mais valioso é um exemplar de Entwined Destinies de 1980, escrito pela jornalista Elsie B. Washington sob o pseudônimo de Rosalind Welles. Este foi o primeiro romance de categoria a apresentar personagens negros e ser escrito por uma autora negra. O livro recebeu uma quantidade considerável de impressões e uma tiragem estimada de 60.000 cópias, ainda assim, é quase impossível o encontrar em sua edição original. “Meu exemplar também está em estado puro, não lido. Eu não gosto de colocar valores nos meus livros, mas se eu tivesse que adivinhar, vale mais de US$ 100”.
A biblioteca de um colecionador de livros de romances dificilmente valerá uma fortuna. Muito mais do que o valor monetário, a coleção é uma recompensa por si só.
Ao procurar um título ou edição específica, o pesquisador começa vasculhando online, mas admite que nem sempre é o melhor caminho. “A maioria dos livros de romance são muito mal descritos pelos vendedores”, diz. Ele também visita sebos locais e bibliotecas. “Tenho sempre uma lista do que procuro na parte de trás da minha cabeça, mas numa livraria ou na biblioteca tento estar aberto a tudo o que possa estar nas prateleiras. Eu fiz algumas das minhas melhores descobertas desta forma”.
Ao contrário do que muitos pensam, encontrar dedicações rabiscadas nos livros que adquire não é um problema para o arquivista. “Muita gente na internet se irrita quando digo isso, mas para um colecionador há uma emoção especial em abrir um livro e encontrar evidências da pessoa que o comprou originalmente”.
Quando adquiriu seu exemplar de Whispers of Love, de Shirley Hailstock, um dos primeiros romances publicados pela editora americana Arabesque, voltados para negros americanos, descobriu que a compradora original havia colocado seu nome e endereço no livro, bem como a data em que o comprou e o leu. No verso havia anexado o recibo e, nos anúncios do livro, os livros que já tinha lido.
“Eu adoro. Como colecionador, isso me diz muito sobre como ela era uma leitora dedicada e como ela se importava com seus livros. Acrescenta à história de tudo”, conta.
Apesar do ceticismo de alguns amigos e familiares, Ammidown encontrou uma comunidade entre outros leitores e colecionadores que compartilham sua paixão. Ele desafia os estigmas de gênero associados aos romances enquanto trabalha para preservar sua história.
“Minha esposa também é leitora de romance, então conversamos muito sobre o que ambos estamos lendo. Além de colegas colecionadores e leitores, a maioria dos meus amigos e familiares acha que é tudo um pouco bobo, mas tudo bem. Tive a sorte de me conectar com muitas pessoas ao redor do mundo que compartilham minha curiosidade sobre a história do gênero, e isso é incrível”, finaliza.